A história dos museus (síntese introdutória)

AS ORIGENS       

O museu actual, não obstante as grandes interrogações que se lhe dirigem, supõe já atrás de si um longo percurso histórico. Como seus primeiros antepassados temos de reconhecer as colecçoes e os "tesauroi" que abundaram através dos séculos, herança preciosa, no entanto responsável pelos atavismos ou pelas comotações menos lisongeiras que ainda pesam sobre muitos museus modernos.
Estas colecções eram no entanto formadas para ostentação de grandeza ou satisfação da cobiça.
Assurbanípal, o monarca assírio que ordenara a formação de uma grande biblioteca, fez transladar do Egipto para Niníve, como despojo de guerra, uma colecção de obeliscos e trinta e duas estátuas, que colocou temporariamente às portas de Assur para que o povo as admirasse.
Na Grécia eram admiradas as obras provenientes dos ex-votos depositadas nos "tesauroi" dos vários templos (Delfos, Éfeso, Olímpia...). Na Periegesi da Grécia, Pausânias (c.115-176 p.C.) fez-nos uma preciosa descrição das colecções que ainda no seu tempo se albergavam nos santuários gregos. Com o helenismo difundia-se o gosto pelas colecções formadas com originais ou cópias de obras artísticas já célebres.
O verdadeiro museu nasceu, porém, quando se reuniram obras de arte ou de qualquer outro tipo com um fim cultural. Na Academia de Platão ou no Liceu de Aristóteles havia gérmens de autênticos museus. A palavra museu - museion - não lhes era no entanto aplicada. Designou inicialmente o templo dedicado às Musas, sobre a colina  do Hélicon, em Atenas, e aí existia um "tesauroi" de ex-votos artísticos, que então os gregos chamavam "pinacoteca", nome que viria a ter grande fortuna ainda nos tempos modernos (Pinacoteca de Milão, de Munique, de Dresde).
No museion, que foi o primeiro a utilizar nome e as funções como as que entendemos na actualidade, em Alexandria, fundado no início do séc. XII a.c. por Ptolomeu Filadelfo, existiam colecções de objectos e locais de estudo, num complexo que englobava a famosa biblioteca (chegou a ter 40.000 volumes), as colecções de arte, os jardins botânico e zoológico, o observatório astronómico, o anfiteatro e as salas de estudo, frequentadas por uma multidão de estudiosos. Aí passaram ou se formaram os mais importantes sábios da época. Todos os ramos do saber tinham lugar no museu: a matemática, a astronomia, a geografia, a mecânica, do mesmo modo que a cultura literária e a filologia.
Outros centros semelhantes a este floriram: em Atenas, por exemplo, fundou-se, a par de uma biblioteca rival da Alexandria, um "museu" que albergava valioso núcleo de esculturas.

          O COLECCIONISMO ROMANO

O ano de 212 a.c. foi assinalado por um facto importante: Marco Marcelo conquistou Siracusa, espoliando-a das suas obras de arte, que se tornaram uma revelação para os romanos, levando a um importante florescimento artístico.
Enquanto, porém, no mundo grego as colecções museísticas mantiveram um carácter público, a riqueza das conquistas levou as famílias endinheiradas de Roma a enveredar pelo coleccio­nismo privado e até a adoptar a inversão de capital sob a forma de obras de arte. Não se excluiu no entanto a sua exposição pública, e nas termas, lugar público por excelência, havia salas onde se facultava a todos a observação de obras da antiguidade, como o Laoconte.
No início do império, Marco Agripa propôs que se consi-de­rassem de utilidade pública as obras de arte afastadas da sua origem e dispersas nas colecções privadas e se colocassem em local onde pudessem ser vistas por todos. Pela primeira vez, surgiu assim na história a declaração explícita do valor das colecções como património da comunidade.
Entre os lugares em que se recolhiam as colecções artísticas estavam os "musea", grutas artificiais com jogos de água, onde se expunham obras de arte.
A partir do séc. III p.c., surgiu a decadência, motivada pelo fisco, pela crise das instituições culturais, pela oposição do cristianismo à arte pagã, a que se seguiu a destruição provocada pelas invasões bárbaras.
O império do oriente sobreviveu mais tempo, apoiado numa economia ligada à exploração da terra e ao comércio. Constan­tinopla enriquecia-se com obras de arte recolhidas nos territórios do ocidente. Quando surgiu a vaga do fanatismo contra a arte pagã , incrementaram-se os tesouros (exemplo de S. Marcos e Patmos), mas o valor que se lhe atribuía não olhava à qualidade  artística mas à preciosidade da matéria.
No ocidente, Teodorico juntou obras de arte antiga, com a pretensão, que tinha muito de político de, também neste campo, reatar a linha da tradição romana, de que se promoveu a defensor e herdeiro.
A decadência chegou ao máximo quando as ruínas de Roma se transformaram em cavas para abastecer os fornos de cal.
Durante a Idade Média o coleccionismo sobreviveu sob a forma dos tesouros de objectos preciosos (em regra procedentes de ex-votos) ou das relíquias de santos ou homens ilustres, àsombra das catedrais ou igrejas de peregrinação. Como sobrevi­vência desta época, lembre-se o nome com ainda é designada a colecção de alfaias litúrgicas, obras de arte e outros variados objectos que pertencem a algumas catedrais - o Tesouro da Sé.
Estas colecções eram patentes à admiração dos fieis habitualmente ou por ocasião das grandes solenidades.

          OS TEMPOS MODERNOS

No Renascimento tornou-se a desenvolver o coleccionismo, favorecido pela riqueza dos comerciantes e banqueiros, como sucedeu em Florença.
Cosme de Médicis foi o primeiro a iniciar a recolha dos objectos de arte, sem distinção de géneros, reunindo tudo o que fosse belo e antigo, segundo a orientação esclarecida de Donatelo. Em 1489 estas obras foram colocadas no jardim de S. Marcos, ao dispor dos estudiosos, servindo de modelos aos novos artistas. Outras colecções floresceram na Itália.
Em Roma assistira-se, durante os séc. XIII a XV, a uma verdadeira depredação dos monumentos antigos para reutilizar os materiais em novas construções. Um grande Papa, Sílvio Eneas Picolomini, que tomou o nome de Pio II, promulgou o primeiro decreto (não totalmente obedecido) que proibia demolir antigos monumentos para edificar novas igrejas.
Formaram-se gradualmente as colecções que dariam origem aos museus do Vaticano.
Além das colecções de arte, divulgaram-se no séc. XV e XVI os gabinetes ou "studíolos", as "Wunder Kammern", ambien­tes de estudo, especialmente dedicados às ciências naturais, onde príncipes ilustrados reuniam e manuseavam os seus materiais de estudo. Em sequência nasceram as primeiras grandes colecções de ciências naturais.
Foi em função destes novos ambientes de estudo que em 1727 apareceu a "Museographia", de Gaspar F. Neickel, o primeiro tratado metodológico relativo à sistematização de tais colecções. Nasceu assim um novo ramo da ciência a "museografia", que só muito recentemente (1955) viria a ser ultrapassada pela "museografia"...
Nos séc. XVII e XVIII formaram-se as colecções das monarquias ocidentais.
Mais do que historiar o nascimento e a evolução destes museus, assim como a frenética busca de obras de arte que se lhe seguirá, importa dar atenção a alguns factos significati­vos.
Em 1743, Ana Maria Luísa, a última dos Médicis, esposa do eleitor palatino Frederico Guilherme, deixou as suas colecções à cidade de Florença, estipulando "a condizione espressa di che quello é per ornamento dello stato, per utilitá del publico, e per attirare la curiositá dei forestieri, non ne sarà nulla trasportatto e levato fuori della Capitale e dello Stato de Granducato". Destas palavras ressalta o pressuposto, de formulação romana e reafirmação renascimental, do carácter público das colecções e da sua função cultural. Demais, na proibição de que as colecções fossem levadas para outro lugar, como património inaliénavel da cidade, que a essa em primeiro lugar diz respeito, e prevalecerá mesmo durante as invasões napoleónicas, está já implícita a afirmação do direito que as localidades têm aos produtos e meios da sua cultura.

          DO ILUMINISMO AOS NOSSOS DIAS

O Iluminismo é a primeira época áurea dos Museus. O carácter público e didáctico desta instituição é cada vez mais acentuado pelos pensadores. Na Enciclopédia fala-se, na palavra "museu", da ordenação de todas as colecções régias. Nas palavras "Louvre" e "Galeria" insiste-se nesta planificaç­ão das colecções artísticas.
O Louvre torna-se a imagem ideal do museu novo. As invasões napoleónicas contribuem para a concretização deste museu. No projecto de Napoleão, a França será a coroa e a protectora das outras nações "libertadas". Todas estas nações contribuirão para o Louvre com as melhores obras do seu património. Os escritores da época falam-nos do entusiasmo que este museu suscitou, particularmente entre os ingleses. Uma grande parte das obras será restituída após a queda de Napoleão, mas ficará de pé a ideia do museu universal, que punha em confronto várias civilizações. Os governantes franceses procurarão engrandecê-lo e actualizá-lo constante­mente, inclusivè com a aquisição de obras de arte moderna.
O museu de Berlim foi outra das grandes realizações museológicas de oitocentos. Não nasceu de uma acumulação de obras, mas de uma programação ordenada, que tinha por suporte o desenvolvimento de uma ciência nova: a História da Arte.
Outros grandes museus nacionais se desenvolvem ou transformam, como sucede com o museu do Prado.
Ruskin, por volta de 1860, expunha, ante o parlamento inglês, a necessidade de que o museu se aproximasse cada vez mais das massas operárias, e de tal asserção tiravam-se as primeiras conclusões com a instituição de alguns museus nos centros menores.
Para além das realizações museológicas, no séc. XIX, na sequência da revolução industrial, realizam-se grandes exposições, onde se mostram ao público os artigos produzidos pela indústria. Em Londres organiza-se em 1851 uma exposição, para que foi propositadamente construído um edifício todo em aço e vidro. Seguir-se-iam as grandes exposições de Paris, em 1853, e em 1889. Na exposição universal de Nova Iorque, por deficiências da técnica, o tecto caíu sobre o público, mas a exposição de 1892, em Chicago, para comemorar o centenário da descoberta da América constituiria um assinalável êxito.
A multiplicação destas exposições e as demonstrações técnicas que permitiram, assim como o desenvolvimento da ciência museológica, estão na base das grandes transformações que se estão a processar nos museus de todo o mundo.

          O MUSEU CONTEMPORANEO

Os finais do séc. XIX e os alvores do Séc. XX assistiram ao nascimento e difusão dos museus americanos. O Metropolitan, de New Yorq, e o Museu de Boston copiam, na sua estrutura e no seu conteúdo, os grandes museus da Europa. Aliás, a busca de um passado, que os americanos não encontra­vam no seu territó­rio, explica em grande parte, ainda hoje, o florescimento dos museus na América do Norte.
A falta de referências locais, que tornassem o museu inteligível, fez que na América, primeiro que na Europa, se levantasse a questão museológica. Preparando a reestruturação do museu de Boston, Benjamin Gilman realizou um aturado estudo a partir dos museus europeus, que apareceu em 1918 com o título «Museum Ideals». Ao museu são atribuídas as funções não apenas de lugares de conservação e recolha, mas de centros para a investigação cientifíca e para a transmissão ao público das mensagens da arte e da ciência.
A discussão iniciada na América terá amplo eco na Europa, sob um duplo aspecto, teórico e experimental. Directores e conservadores de museus, e outras personagens, com autoridade no mundo da cultura, analisam as novas exigências a que tem de corresponder o museu: de ordem estética, mediante uma relação mais coerente entre as obras e o ambiente em que são expostas, de ordem histórico-cientifíca, mediante uma classificação mais precisa e didáctica; de ordem técnica, de forma a aproveitar as inovações da era industrial; e, finalmente, de ordem social, de modo a contribuir para o deleite e instrução do público de todos os níveis.
Esta problematização do museu, iniciada no período entre as duas guerras, ganhou especial incremento nas últimas décadas, quando foi necessário reconstruir e reordenar os museus danificados pelas acções bélicas, e depois com o acesso de países dos vários continentes, ou de regiões dos velhos países, aos mesmos níveis de cultura, o que levou a valorizar os bens reais do seu património histórico.
O director do Museu de Hannover, Alexander Dorner, em colaboração com o arquitecto Lissinky, concebeu o novo museu, rejeitando a arquitectura tradicional em favor de ambientes museais adaptados aos diversos objectos, e capazes mesmo de serem modificados e adaptados com facilidade. O «anti-museu» recusava a espacialidade estáctica, as prespectivas definiti­vas, em favor da flexibilidade das estruturas, das variações de iluminação e de cor das paredes.
Embora Dorner e os seus projectos fossem anatematizados pelo nazismo, as suas inovações estão na base de uma nova concepção do museu que se traduziu em projectos de construção ou readaptação tão diferentes como os de Hendryck Berlage, Le Corbusier, Frank Lloyd Wrigth, Alvar Aalto, Van der Rohe, Franco Albini, Carlo Scarpa, Ezio Bruno de Felici, Giovanni Michelucci, e vários outros, na maior parte concretizados, na América, na Itália e em países de todo o mundo.

Um museu em transformação...




    Os museus são um fenómeno característico dos tempos modernos. Embora muitos deles  - e mesmo os mais importantes - se tenham formado a partir de colecções previamente existentes, os museus propriamente ditos são uma consequência das novas ideias sobre a educação elaboradas sob a influência do iluminismo. O museu apresentava-se então como um importante instrumento da educação popular.
    Por volta de 1860, Ruskin defendia, perante o parlamento inglês, a necessidade de aproximar cada vez mais o Museu das massas operárias, e desse princípio resultaria a criação de alguns museus em centros urbanos de menor importância.
     Foi este mesmo espírito que levou à fundação do Museu de Viana do Castelo, numa altura em que existiam em Portugal cerca de vinte museus. A criação do Museu de Viana, com efeito, foi decidida numa sessão da Câmara realizada em 9 de Maio de 1888. Teve o seu núcleo inicial no claustro do antigo convento de Santo António, onde se reuniam algumas lápides e brasões resultantes de algumas demolições efectuadas na cidade.
     Em 1920 a Câmara decidiu adquirir, para instalar o Museu, o palacete Barbosa Maciel, elegante construção, edificada entre 1724 e 1728, segundo projecto do arquitecto bracarense Manuel Fernandes da Silva, um dos mais belos edifícios da cidade e dos que mais próximos se conservam das origens, nos seus interiores.



  Fachada e entrada principal do edifício do Museu


    Em 1953 Manuel Espregueira e Oliveira doou ao Museu uma colecção excepcional de peças artísticas, sobretudo de faianças, na maior parte reunidas pelo seu pai, o extraordinário coleccionador vianês Dr. Luís Augusto de Oliveira.
    Com essa doação e a aquisição aos herdeiros do professor Serafim Neves de um valioso conjunto de louças, o Museu de Viana ficou a possuir a melhor e mais variada colecção de faianças portuguesas. 
     Já então se notava a insuficiência das instalações.
    De 1964 data a disposição que o mesmo apresentou durante algumas décadas, em cuja organização foi considerado "como objectivo fundamental adaptar a natureza dos espécimes ao solarengo carácter do edifício". Esta ordenação, de natureza ornamental, não se preocupava com a função pedagógica do Museu.
     Quando na década de oitenta se começou a pensar na sua valorização didáctica, logo veio ao de cima o problema de espaço.
     Em 1982, o responsável pela Direcção do Museu, a concluir uma síntese da sua história publicada na revista cultural publicada pela Câmara Municipal de Viana do Castelo, os Cadernos Vianenses, dizia esperar-se  que "na altura oportuna, a Câmara faça elaborar o anteprojecto para a construção de um edifício na frente da Rua General Luís do Rego, para extensão do Museu, a ligar, por uma galeria, ao palacete Barbosa Maciel".
     Estava-se  numa época diferente daquela em que o Museu foi criado. O Museu dos tempos modernos, tal como o imaginou Alexandre Dorner, não podia acomodar-se simplesmente a uma arquitectura tradicional de cariz hierático, mas exigia ambientes adaptados aos diversos objectos, capazes de serem modificados e ajustados com facilidade.
    Sem ocultar o valor histórico do edifício e até valorizando-o, a exposição permanente necessitava de ser reordenada, e impunha-se a urgência de criar novos espaços para o funcionamento dos vários serviços de apoio (já que até aí todos os espaços estavam ocupados com a exposição permanente), para as exposições temporárias e para outras actividades paralelas, de animação cultural.
    Foi para essa obra de ampliação que em 1988 - quando o Museu fazia 100 anos - a Câmara Municipal de Viana decidiu encomendar o projecto ao Arquitecto Luís Teles e, em 1990, proceder à sua concretização.
    Com as obras de ampliação pretendia-se criar as necessárias condições de trabalho e rentabilização pedagógica. O novo Museu, que integrava o edifício antigo, com a entrada principal pelo Largo de S. Domingos, e a ampliação, com entrada pela Rua General Luís do Rego, apresentava-se como um todo coerente, composto de partes com funções específicas.


Fachada e entrada da ala nova do edifício do Museu


    No edifício antigo continuava a situar-se a área de exposição permanente, prevendo-se que no primeiro piso se reconstituíssem os ambientes so séc. XVIII, característicos de uma residência nobre urbana, enquanto no rés-do-chão, onde historicamente se localizavam os armazéns e arrecadações, se disporiam, em sequência didáctica, as colecções que englobavam maior número de peças, designadamente algumas que são únicas em todo o mundo, como a série de louça azul portuguesa, do séc. XVII, e a de faiança de Viana, dos séculos XVIII e XIX.

    No novo sector, resultante da ampliação, localizavam-se, no rés-do-chão, a área de exposições temporárias de curta duração e os gabinetes de trabalho (direcção, secretariado, informática, centro de documentação e biblioteca). No primeiro andar estendia-se uma galeria destinada às exposições temporárias, de duração intermédia, assim como um auditório com os respectivos serviços de apoio. Na cave situavam-se os depósitos e as oficinas.

   Com a inauguração destas obras, o Museu reunia as condições mínimas para desempenhar as funções que lhe competiam, segundo as mais recentes orientações da museologia, como centro produtor e irradiador de cultura.

   As perspectivas eram as melhores, se os planos traçados em relação ao seu desenvolvimento futuro pudessem ser concretizados. Veremos o que aconteceu de seguida.